terça-feira, 3 de abril de 2012

Reticências: o recurso da supressão

Norteado pelo aspecto da supressão, o uso das reticências se encontra relacionado à subjetividade, permitindo ao leitor distintas intepretações
Norteado pelo aspecto da supressão, o uso das reticências se encontra relacionado à subjetividade, permitindo ao leitor distintas intepretações
Talvez no título complementar, ora atribuído a este artigo, resida o ponto central de nossa discussão: “recurso”. Recurso este remetido ao contexto da fala, da escrita. E quando falamos em recurso, nesse sentido, a primeira noção que emerge diz respeito às intenções que se deseja alcançar com a mensagem, com o discurso.
Como “matéria-prima” de tal recurso daremos ênfase ao seguinte sinal de pontuação: as reticências. Primeiramente, seguiremos por vias práticas, fazendo menções a circunstâncias que remetem à fala. Assim, ao proferirmos um discurso, associado a uma supressão imediata, tal intenção pode estar relacionada a vários fatores, começando pelos banais, por exemplo: imagine que porventura apareça alguém cuja presença impedirá que a continuidade da conversa se materialize. Haverá, pois, uma supressão, uma interrupção. Pensemos por outro lado: talvez essa pausa tenda a provocar outros efeitos, como é o caso de deixar em aberto, dando margem a uma reflexão ou até mesmo a uma continuidade de algo já preestabelecido, assim como:
Quem conversa demais...
Preestabelecido porque se trata de um provérbio e, como tal, todos nós sabemos o que virá pela frente.
Observe como são sábias as palavras de Mário Quintana, e como parece calhar com o que estamos dizendo:
Da Discrição
Não te abras com teu amigo
Que ele um outro amigo tem.
E o amigo do teu amigo
Possui amigos também...
Ou seja, o segredo poderá se multiplicar, sem dúvida.
Adentrando os caminhos da escrita, simbolizando as pausas que se manifestam por meio da oralidade, esse recurso parece ganhar conotações ainda mais peculiares, sobretudo quando o foco é a linguagem subjetiva. De forma a ilustrar a afirmativa, servimo-nos de uma criação da poetisa gaúcha, Stella Vives:
Reticências
Reticências são pequenos pontos,
seguimentos de pontos...
não são lacunas,
não são abandonos...
São esperança, quiçá sofrimento?
Serão suspiros de uma alma em tormento?
Afinal, o que são reticências?
Prá quem escreve, significam algo,
prá quem lê, fica na imaginação...
Lirismo, paixão?
Técnica, polêmica, piração?
Sigo minha vida com reticências...
que serão preenchidas pelo tempo,
por palavras que virão,
por felicidades que chegarão,
pelas alegrias de uma paixão...
Reticências...
Será que fazem falta nas ciências?
Ela questiona acerca do sentido que se atribui às reticências, sobretudo por meio da segunda estrofe:
Afinal, o que são reticências?
Prá quem escreve, significam algo,
prá quem lê, fica na imaginação...
Lirismo, paixão?
Técnica, polêmica, piração?
Seriam elas Lirismo? Paixão? Técnica? Piração? E mais: ao final, deixa a cargo do leitor refletir se fariam falta nas ciências. Eis mais um indício que elas, concebidas como recurso retórico, fazem parte do universo subjetivo, por excelência.
De mesmo nome citamos outra criação, agora pertencendo ao célebre Fernando Pessoa, incorporada a um de seus heterônimos, Álvaro de Campos (fragmentos):
[...]
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...

[...]
Sintetizando: as reticências assumem, entre outras funções, um papel subjetivo, assim como o ponto de exclamação. Como se pôde ver, o uso desse sinal é vastamente aplicado à linguagem literária e, por vezes, à publicitária.
Veja o que afirma um dos poetas já citados aqui, Mário Quintana:
“Considero que as reticências são a maior conquista do pensamento ocidental, porque evitam as afirmativas inapeláveis e sugerem o que os leitores devem pensar por conta própria, após a leitura do autor”.

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